Boquita de cereja

As desventuras de uma menina a procura de um lugar seguro

quarta-feira, maio 31, 2006

Dona Maria do Carmo

Como estava em Recife e minha mãe badalando pelo jet set nordestino, agora que eu virei mãe e tenho que manter os valores familiares, resolvi comer o famoso almoço de domingo junto com minha vó e conseqüentemente, bisavó de Sebastião, Dona Maria do Carmo de Almeida Duque
Foi tudo ótimo. Passamos a tarde espalhados no meio de tapetes de 20 cm e bibelôs caríssimos. Minha avó é realmente uma figura interessante. Um paradoxo.
Dona Maria do Carmo sempre foi meu ideal de mulher chic. Até quando começou a ficar mas fraquinha eu tinha a impressão que ela acordava, penteada, maquiada e de meia calça. Ela viajava para o Egito e para Paris e tava chic, tanto encima de um camelo, quanto olhando exposição no Louvre. A casa dela sempre foi impecável, e ela sempre recebeu as figuras mais ilustres para almoços e coquetéis Eu passei grande parte da minha infância lá. Devo a ela o tico da educação que eu tenho.( Desculpe mamãe, eu quis dizer alem do que foi me dado pela sua ilustre pessoa, que cada dia abrilhanta mais as altas rodas da peruagem pernambucana)
Vocês devem esta se perguntando. Onde esta o paradoxo?
Nesta casa palaciana, de costumes tão austeros,as crianças sempre foram totalmente bem vindas. Pra falar a verdade, eu não sei se qualquer criança, pelo menos os netos. E agora Sebastião.
Fazer guerra de travesseiros caríssimos? À vontade. Comer metade dos docinhos que estavam sendo feito para os convidados? Liberado. Brincar de forte apache em tapete persa? Por que não? Era tão engraçado vê meu avô, com toda sua pompa de desembargador, saindo pela casa com um rolinho de durex, pregando pelas paredes, ao lado de pinturas em molduras douradas, nosso desenhos de foguetes, casinhas , corações e declarações de amor de Vovó eu te amo. E nós como picassos miniaturas, estufávamos o peito e achávamos que nossas obras estavam realmente contribuindo para a elegância da morada.
Só tinha dois lugares onde não era permitido a entrada infatil. O gabinete do meu avo. Onde pendiam livros por todos os lados e onde estava essa mesa onde esta meu computador agora e que me lembra tanto ele, e a famosa sala de visita.
Essa sala de visita era muito chic e ficava fechada a maior parte do tempo. Era resevada para traseiros ilustres e nossas bundas infantis raramente eram convidadas a sentar naquelas poltronas fofas..
Eu e meu primo Fael, companheiro de estadia na casa dos Duque, ficávamos de vez em quando com um nariz na porta de vidro, olhando estatelados, entre uma brincadeira e outra, aquele lugar que tinha uma áurea meio mágica. Lá havia um cheiro peculiar que sempre me intrigou e mais tarde eu descobri que era de wisck e de licor. Eles ficavam num carrinho em um canto, em lindas garrafas de cristal. Eu e Fael jurávamos que eram feitas de diamantes .
Pois é. Depois que meu avô morreu, minha vó mudou pra um apartamento. Não tão grande quanto a casa, mais de uma forma ou de outra preservou a pompa. E foi só quando tiãozinho começou a dar seus primeiros passinhos de quatro por aqueles tapetes, que eu comecei a me lembrar de tudo.
Agora era eu que ficava nervosa, com medo que aquelas mãozinhas gordas quebrassem alguma coisa. E minha vó atrás de mim.
-Deixa ele, tadinho. Ô meu filhinho. Você quer tocar fogo na casa da vovó, coisa fofa?. Saia daqui sua mãe chata. Deixa o bichinho se divertir.

E ai Sebastião pegava o sino de prata usado para chamar a copeira durante as refeições e atirava longe. Minha vó ria de se acabar.

-Olha como ele é forte.

Tiãozinho arrancava o badalo do sino de tanto bater com o mesmo na mesa.

- Que bonitinho. Vai ser Músico que nem o pai Toque meu filho, toque o sino na mesa, se quebrar o motorista conhece um velhinho a uns cem quilômetros que concerta direitinho. Que besteira. Trabalho nenhum, Seu Ricardo está aqui pra isso.

Pronto. Conhecia bem esse roteiro. Só que antes a mãe em pânico era a minha. E o pior, dona Carminha era sogra dela.
Coitada.
Pois é. Eu cresci assim. E foi muito bom passar com minha vó maluca a primeira páscoa de Tiãozinho. È por que ele é muito novinho e ainda tem a dieta muito restrita, mas se Deus quiser ano que vem ele vai passar as mão sujas de chocolate nas cortinas. E minha vó com certeza ficara encantada..