Boquita de cereja

As desventuras de uma menina a procura de um lugar seguro

sexta-feira, junho 02, 2006

A vida e cheia de som e fúria

“Mas um dia /.../ eu apareci no parque e Alison estava sentada no balanço com o braço em volta de Kevin, meu amigo. Subitamente esqueci como se fazia para andar. O que fazer com minha vida daquele dia em diante? Para onde ir? No meu desespero cometi o erro mais grave, olhei no meu relógio. Aquela hora, aqueles minutos e também o ponteiro dos segundos parado está gravado para sempre na minha cabeça. E desde estão, meu dia se divide em antes e depois do horário em que Alison me chutou. E foi isso.” (A Vida é Cheia de Som e de Fúria, p.3)

Chegou.
Foi sem que ninguém notasse. Mas afinal não dava para ficar o resto da vida fingindo que não havia nada entre nós fora uma simples amizade. Que não existia uma tensão no ar que, de tão densa quase poderia ser cortada a faca.
O Dia D. O turn point.
Parecia que tudo ia ser igual a sempre. Não foi com nem um pouquinho de surpresa que recebi o telefonema do menino bruxo na tarde de segunda feira me convidando pra sair a noite. Já fazia parte do script, fins de semana com a namorada, dias úteis, conversas existencias comigo ate varar a madrugada.
O carro já sabia ate o itinerário. Boa viagem várzea, oi Bruxinho, passar pro banco do passageiro, bar GB de sempre, uma boemia, uma batida de cajá e ai como tu ta?
E pra variar fechamos o bar. E resolvemos radicaliza e trocar o boteco segundo tempo. Acabamos indo para aquele onde eu fui beijada pelo o menino estelar. Somos muito originais em matéria de bares como vocês podem perceber.
Ficando numa parte de cima do bar que parece mais uma casinha numa arvore. Só nós e o Capibaribe que essa altura já era um velho conhecido. E o papo seguio lento. Embalado por doses de vodca, que iam deixando a conversas mole e o juízo afiado.
Foi depois de muito tempo, quando já tínhamos passados nossa revista semanal pelos nossos sonhos, medos e angustia, que ele vira do nada e fala:
–Estranho o que acontece entre nós
E eu já bem molinha
-Defina estranho
- Sei lá......
Ele dá mais um gole na vodka e pensa. Eu olho o Capibaribe.
- Hoje eu tava dormindo, no fim da tarde. Ai eu acordei e tava passando algo na tv do quarto e eu comecei a assistir meio sonolento. Acho que era uma novela. Só sei que tinha um cara e uma mulher que parecia ser a namorada dele e que tratava ele mal . Ele ficava muito triste. Ai ele parava e começava a pensar em outra garota, que eu acho que era no passado. Ela fazia ele muito feliz. Ela era muito carinhosa com ele e tudo.
- Tá, mas onde você chegar?

Eu sabia onde ele queria chegar. Meu sensor de aranha já tinha deixado todos os meus cabelos de pé e eu precisava ganhar tempo para saber bem onde eu tava pisando.
-Ta ligada que eu tenho um lance.
-Defina lance.
- É uma espécie de relacionamento.... Só que eu não sei se eu tô satisfeito
-Para bruxo. - eu não queria ouvir mais, eu já sabia onde isso ia dar. Eu não vivi anos e anos nessa selva de corações partidos em vão. Alguma coisa a gente aprende. Uma delas é que essa conversas nunca acabam bem.
Mas era tarde para voltar atrás e fingir que não tínhamos entrado nesse campo minado que é falar dos sentimentos . Quando os sentimentos de um para o outro são tão confusos Olhei nos olhos e dele e disse
-O que eu sou sua, Bruxo?
-Como o que você é minha?
- Isso mesmo. O que eu sou sua? Eu não sou sua namorada por que isso eu saberia. Não sou sua amante, ate por que sexo não é o forte da nossa relação. Nem sou sua amiga.
- Porra Carolina, você não é minha amiga?
- Não, não sou não.
- Porra....
-Não escondemos coisas dos nosso amigos, bruxo. Nem ficamos cheios de dedos pra falar coisas simples para pessoas que são somente nossas amigas. Se eu sou só sua amiga pór que não me disse que tinha namorada?
- Você sabe que eu tenho namorada
- Eu sei, mas não por que você me contou .Sei por que eu juntei os pontinhos. E eu não acho que essa coisa de juntar pontinhos caracteriza uma amizade.
-Eu disse a você.
-Disse não. Eu insinuei uma vez e você ficou calado. Isso não é o mesmo que contar.
-Mas ....
- Para falar a verdade eu até te perguntei isso. Antes de nos reencontrarmos a primeira vez eu te perguntei literalmente isso e você disse que tinha apenas uns rolinhos..

Ele realmente parecia que tinha sido pego desprevenido

- Mas é que quando você perguntou não era serio. Ficou depois....

Eu não acreditava nisso. E o pior, sentia que ele ia me magoar ainda mais. E sem avisar ele proferiu a frase que ate agora ta martelando na minha cabeça.

- Sem falar que ela namora comigo mas eu não namoro com ela.

Pronto.
Agora não tinha volta. Ele tinha descido tão baixo que não dava pra fingir que ele não tinha dito aquilo. Porra bruxinho! Eu acreditava tanto em tu . Desculpei internamente todas as tuas mancadas. Argumentei com a voizinha que dizia na minha cabeça.- Ele não é mais aquele cara pelo qual você se apaixonou. Ele agora é um babaca.
E eu o olhei com uma cara de dor tão grande. Que ele ficou serio. Eu disse.

- Eu não estou com saco pra essas babaquices, sinceramente. Porra, esse caminho que você escolheu é foda.
Ele olhou no meus olhos.
-Eu acho que ta tarde, é melhor irmos embora.- falou
-Também acho.
Levantei, peguei o cigarro e desci o mais rápido que eu consegui a escadinha que levava ate a saída do bar.
Atravessei a rua sem olhar se ele tava me seguindo ou não. E só ao chegar no carro lembrei que a chave tinha ficado com ele. Merda! Fiquei encostada no carro sem olhar para o bar. E ele demorou um tempo para chegar onde eu tava.
- Você podia ter sido atropelada pela maneira que atravessou a avenida.
-Pois é. Graças a Deus que já passam das quatro e não tem nenhum carro a quilômetros . E se tivesse ia ser um fato tão inusitado que eu teria percebido.
- Por que que você ta tão braba?
- Me dá a chave que eu quero ir pra casa.
- Eu dirijo.
- Então vai logo.
Entrei no carro sentei no banco do passageiro. Coloquei os pés no painel e virei uma conchinha. Não queria que ele visse o quanto tinha me magoado. Não queria que ele visse o quanto ele era importante para mim.
- Eu queria entender por que ficou tão puta.
- Porra cara. Como você não entende? O que você queria de com aquele papinho.
- Que papinho?
- Aquela historia da novela.
- Eu só queria te contar uma coisa estranha que aconteceu........e que eu tava só pensando..............
- Ta bom. Mas você começou a falar dizendo que existe algo entre nós estranho. e vem com esse papo , o que você queria dizer com isso ?
Ele realmente não sabia o que dizer. Tomou o cigarro da minha mão. E pediu o isqueiro.
- Eu não sei onde ta a porra do isqueiro.
- Então ascende um pra mim no isqueiro aí do carro.
- Eu não sei onde fica a porra do isqueiro na porra desse carro.
- Procura caralho.
Eu fui procurando o isqueiro enquanto ele dirigia puto fazendo valer cada válvula do motor do Honda.
Então eu falei e na verdade eu não queria falar por medo que a dor fosse ainda maior, mas algumas coisa na vida quando são começadas tem que ser levadas ate o fim. Essa era um delas. Não dava pra voltar atrás.
- Porra bruxinho, você sabe que eu ia acabar me magoando com esse conversa.
- Sei não. Não acho que você tenha motivo
- Porra caralho! Você sabe que eu sou apaixonada por você. Como tu acha que eu ia sentir tudo isso?!
Se já não bastasse toda a dramaticidade do momento, na hora que eu falei isso, a ponta do cigarro que eu tentava ascender no isqueiro do carro caiu no meio das minhas coxas e eu dei um pulo e quase parei pro banco de trás. Isso mais toda vodka que nos consumimos e os 120 quilômetros por hora em que o carro se encontrava fez com que ele perdesse o controle e derrapasse e só encapasse de bater em um poste por que junto com as 16 vauvulinhas o carro possuía um ótimo sistema de abs.
Ficamos em silencio nos recuperamos do susto. Não sei se, do que passamos pelas imperícias ao volante, ou o que aquelas minhas palavras ditas de uma forma tão direta provocaram. Não dava mais pra fingir.
Foi ele que quebrou o silencio.
- Eu não sabia disso.
-Lógico que você sabia. Eu lhe disse.- falei lenta e calmamente. Parecia que aqualquer momento as palavras podiam abrir feridas ainda maiores.
- Sabia não. Porra, você nunca gostou de mim.
- Eu te disse, no dia que eu tava indo embora.
- no MSN? Eu achei que tu tava brincando..
- Não bruxo, eu falei pra você que eu gostava de você. Na verdade eu falei com todas as letras que eu era afim de você.
Ele ficou em silencio
-Não fala que tu não sabia .....isso é muito covarde da sua parte.
Pela primeira vez ele virou e olhou para mim. Eu estava olhando direto nos olhos dele. De uma forma que desafiava ele a discordar do que eu tinha dito. Eu tinha juntado todo o resto de amor próprio para segurar aquele olhar. Ele perguntou sem tirar os olhos de mim.
- Você acha que eu sou covarde?
E eu ainda segurando o olhar e rezando para aquela lagrima que estava no canto do meu olho ficar no canto dela e não teimar em cair, disse a única coisa que eu podia naquele momento . Eu tinha ido longe demais pra voltar agora

-Acho.

Então ele olhou dentro dos meus olhos.
Depois olhou pra frente e colocou o carro em movimento. Eu também não tive mais coragem de olhar pra ele. As lagrimas que esperaram pacientemente um momento mais discreto para descer, seguiam agora o seu caminho em direção ao meu queixo. Mas eu chorei em silêncio. E durante todo o percurso ate a casa dele nada mais foi dito. Nenhum olhar foi trocado. Não tínhamos mais nada pra dizer naquele momento. Então a rua dele chegou. Depois a frente da sua casa. Ele virou pra mim e disse. Com mais raiva do que queria deixar que eu percebesse.

- Você vai embora, ha muito tempo. Eu sempre tô aqui. Ai você casa, você tem um filho. Um belo dia você descobre que ta apaixonada por mim. O que você queria de mim Carolina, o que você pensa?

Eu fiquei calada por alguns segundos. Ele desceu do carro. Eu pulei pro banco do passageiro e ele se abaixou na janela. Eu ia falar, eu ia me defender mais ele me calou e disse:

- Melhor você ir embora. É perigoso ficar parado aqui essa hora.

E com isso como se não houvesse mais nada a ser dito me deu as costas e se afastou.
E eu fiquei parada dentro do carro. Meu corpo todo tremia. Eu tava confusa demais pra pensar. Eu só conseguia tentar me obrigar a colocar o carro em movimento. E quando eu finalmente consegui, foi cantando os pneus e levantando uma nuvem de poeira. Segui numa marcha alucinada pela avenida Recife. Cruzando os sinais vermelhos e pouco ligando para o limite de velocidade.

Endless Empty Maze Despair, Distress And Silence A Poison Vacuum, Infinity Life, Lies, Deceit Mute Souls End In Silence Oceans Tainted With Blood Empty Promises Of Hope Buried Deep, Infected Ground

Aumentei o volume, Arise sempre me leva a um lugar mais seguro. Estava comigo nos incertos dias em que o céu colorido da infância dava seus últimos suspiros. E nevoa das incertezas de uma vida bem mais complexa, de repente se estendia como um tapete a minha frente . Quando eu vi que não dava pra fugir.....e que não dava para voltar para segurança da inocência .Que o mundo é cinza e é nele que tinha que viver dali em diante. Naqueles confusos momentos onde não somos mas tão cegos nem ainda tão cinicos.
Então eu lembrei de Macbeth.

“...A vida é só uma sombra: um mau ator. Que grita e se debate pelo palco.Depois é esquecido; é uma história que conta o idiota, toda som e fúria. Sem querer dizer nada.”

No final isso é tudo. Somos os idiotas nos debatendo. Iludidos acreditando que toda a dor da nossa vida tem alguma importância.
Mas não.
E tudo som, fúria e nada mais.